É difícil imaginar que um autor possa odiar o próprio livro, especialmente quando esse livro se torna um clássico mundialmente aclamado. No entanto, isso aconteceu mais vezes do que você imagina. Alguns escritores, por diversas razões — desde frustrações com o processo criativo até críticas severas ao resultado final —, desenvolveram aversão a algumas de suas próprias obras. Para os leitores, esses livros podem ser joias literárias, mas para os autores, foram fontes de arrependimento e até mesmo vergonha.
Neste artigo, revelaremos alguns dos clássicos literários que seus próprios criadores desprezaram e as razões curiosas por trás desse desgosto.
Arthur Conan Doyle e Sherlock Holmes: O Detetive que Virou Pesadelo
Sir Arthur Conan Doyle criou um dos personagens mais famosos da literatura — o icônico detetive Sherlock Holmes. No entanto, Conan Doyle tinha sentimentos bastante contraditórios em relação à sua criação mais popular. Ele acreditava que Holmes, apesar de ser adorado pelos leitores, estava ofuscando suas obras mais sérias, como seus romances históricos.
O escritor ficou tão frustrado com o sucesso de Sherlock Holmes que, em 1893, decidiu matar o personagem em O Problema Final, fazendo-o cair de um penhasco. No entanto, a indignação pública foi tão grande que Conan Doyle foi obrigado a “ressuscitar” o detetive em O Cão dos Baskervilles e histórias subsequentes.
- Destaque: Embora Conan Doyle tenha criado um dos personagens mais amados da literatura, ele ressentia o fato de que Sherlock Holmes eclipsou todo o resto de sua produção literária.
J.D. Salinger e O Apanhador no Campo de Centeio: A Fuga da Fama
O Apanhador no Campo de Centeio é considerado uma das obras mais influentes da literatura americana, especialmente por sua representação da adolescência e do desajuste social. No entanto, seu autor, J.D. Salinger, começou a desenvolver uma aversão crescente ao romance à medida que ele se tornava mais popular.
Salinger, que sempre foi uma pessoa reservada, odiava a fama que o sucesso do livro lhe trouxe. Ele se isolou do público e recusou entrevistas, eventualmente deixando de publicar novas obras. Embora ele nunca tenha expressado diretamente ódio por O Apanhador no Campo de Centeio, ficou claro que o impacto social da obra e a atenção pública que ela gerou o incomodavam profundamente.
- Destaque: Salinger não odiava o conteúdo de seu livro, mas sim o que ele representou em termos de fama indesejada e a perda de sua privacidade.
Stephen King e Carrie: Um Começo que Quase Foi Descartado
Carrie, o romance de estreia de Stephen King, é hoje um clássico do horror, mas o autor quase não publicou essa obra. De fato, King chegou a jogar o manuscrito no lixo, acreditando que a história de uma adolescente com poderes telecinéticos não era boa o suficiente. Ele achava que a trama era fraca e que o estilo não tinha o nível que ele desejava para sua escrita.
Foi sua esposa, Tabitha, que resgatou o manuscrito do lixo e o incentivou a continuar. Eventualmente, Carrie foi publicado e se tornou o primeiro grande sucesso de King, abrindo caminho para sua impressionante carreira como mestre do horror.
- Destaque: Stephen King originalmente desprezou Carrie e não acreditava que seria uma boa estreia, mas foi graças ao incentivo de sua esposa que o livro foi publicado e se tornou um fenômeno.
William Golding e O Senhor das Moscas: Uma Reflexão Amarga sobre a Humanidade
O Senhor das Moscas, de William Golding, é uma das obras mais estudadas sobre a natureza humana, retratando um grupo de meninos presos em uma ilha deserta e sua queda para a barbárie. No entanto, Golding não era particularmente orgulhoso da obra. Na verdade, ele expressou várias vezes que não gostava muito de seu romance e questionava por que as pessoas o consideravam tão importante.
Golding, que escreveu muitos outros romances, acreditava que sua fama estava exageradamente atrelada a O Senhor das Moscas e que o livro era apenas uma visão pessimista e sombria da humanidade, que não representava a totalidade de suas ideias.
- Destaque: Golding nunca foi um grande fã de O Senhor das Moscas e via a obra como uma visão parcial e limitada de sua produção literária.
James Joyce e Ulisses: Um Fardo Monumental
James Joyce é famoso por seu romance Ulisses, uma das obras mais complexas e reverenciadas da literatura modernista. Embora a obra seja considerada um marco literário, Joyce passou grande parte de sua vida sofrendo com o peso dessa criação. O processo de escrita foi tão exaustivo que ele acabou se ressentindo da obra.
Joyce reconhecia a grandiosidade de Ulisses, mas o considerava um fardo monumental, especialmente devido às dificuldades que enfrentou para publicá-lo e às inúmeras controvérsias envolvendo censura. Seu relacionamento conturbado com a obra foi um reflexo das críticas intensas e das batalhas jurídicas que enfrentou para garantir sua publicação.
- Destaque: Apesar de ser sua obra-prima, Ulisses foi uma fonte de exaustão e frustração para James Joyce, que se viu sobrecarregado pela complexidade da obra e pelos obstáculos para sua publicação.
Anthony Burgess e Laranja Mecânica: Sucesso Indesejado
Laranja Mecânica tornou-se mundialmente famoso após a adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick, mas o autor do romance, Anthony Burgess, passou a desprezar o livro por causa disso. Ele sentia que Laranja Mecânica havia eclipsado suas outras obras e que o filme havia distorcido sua mensagem original.
Burgess, que escreveu dezenas de outros livros, considerava Laranja Mecânica uma obra menor e ficou frustrado com o fato de ser constantemente associado apenas a esse romance, que ele via como apenas uma pequena parte de sua vasta produção literária.
- Destaque: Burgess sentia que Laranja Mecânica ofuscava o resto de sua obra literária, o que o fez desgostar do sucesso que o livro e sua adaptação cinematográfica trouxeram.
Nem Todo Sucesso Traz Satisfação
Essas histórias revelam que, mesmo para autores de renome, nem sempre o sucesso literário traz satisfação pessoal. Seja pelo processo criativo exaustivo, pelas interpretações equivocadas ou pela fama indesejada, muitos escritores se viram em conflito com suas obras mais famosas. Enquanto os leitores e a crítica continuam a celebrar esses clássicos, os próprios autores, por vezes, viam neles apenas uma fonte de frustração.
Esses exemplos mostram que o processo artístico é tão complexo quanto o ser humano, e o que o público considera uma obra-prima pode ser, para o autor, um reflexo de lutas e arrependimentos.
Deixe um comentário