Os Dilemas Morais de Liev Tolstói e Sua Jornada Espiritual

   

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Todos querem mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.” — Liev Tolstói.

Liev Tolstói, um dos maiores escritores da literatura russa e mundial, é conhecido não apenas pelas suas obras épicas, como Guerra e Paz e Anna Kariênina, mas também por sua profunda jornada espiritual e os dilemas morais que marcaram sua vida. Tolstói viveu em um período de intensas mudanças sociais na Rússia, e suas reflexões sobre o sentido da vida, a moralidade e a religião acabaram influenciando não apenas sua escrita, mas também seu estilo de vida.

Neste artigo, vamos explorar os dilemas morais de Tolstói e como eles moldaram sua jornada espiritual, transformando-o de um aristocrata que levava uma vida confortável para um filósofo espiritual, buscando respostas para as perguntas mais profundas da existência humana. Essa busca por verdade e significado se refletiu em sua obra e em sua tentativa de viver de acordo com seus princípios morais, muitas vezes em conflito com os padrões da sociedade e sua própria classe.

A Vida Inicial e a Crise de Propósito

Liev Tolstói nasceu em 1828 em uma família aristocrática e teve uma juventude privilegiada. Durante seus primeiros anos, Tolstói viveu em uma propriedade rural, onde se beneficiou de uma educação formal e do conforto que vinha de sua classe social. No entanto, mesmo em sua juventude, ele mostrava sinais de inquietação e insatisfação. Tolstói teve dificuldades em se adaptar à educação formal e, mais tarde, às convenções da vida militar e social.

Tolstói escreveu seus primeiros livros enquanto ainda era um jovem oficial no exército, ganhando fama pela autenticidade de suas descrições e pela profundidade com que retratava os personagens. No entanto, apesar do sucesso, Tolstói começou a questionar o valor de sua vida e das realizações literárias e sociais. No auge de sua carreira, após o sucesso de Guerra e Paz e Anna Kariênina, ele passou por uma crise existencial que o levou a questionar profundamente o sentido da vida e o propósito de sua existência.

Essa crise foi marcada por sentimentos de vazio e inutilidade. Tolstói, embora fosse amplamente celebrado como escritor, sentia que sua vida não tinha verdadeiro significado. Ele se via envolvido em prazeres mundanos, festas, e um estilo de vida aristocrático que começou a lhe parecer superficial. Esse período de profunda crise o levou a buscar respostas na filosofia, na religião e no contato direto com o povo russo.

  • Destaque: A crise de propósito de Tolstói foi desencadeada por uma sensação de vazio e insatisfação com sua vida confortável e as convenções sociais, levando-o a buscar um significado mais profundo.

A Conversão Espiritual e o Novo Caminho

Em meio à crise existencial, Tolstói mergulhou em um processo de conversão espiritual que o transformaria para sempre. Ele começou a estudar várias religiões e filosofias, em busca de respostas que a vida aristocrática e a sociedade russa não conseguiam fornecer. Eventualmente, Tolstói se voltou para uma interpretação pessoal do cristianismo, afastando-se da Igreja Ortodoxa oficial e desenvolvendo uma versão própria e radical do cristianismo, baseada nos ensinamentos de Jesus sobre simplicidade, amor ao próximo e resistência ao mal sem violência.

Tolstói tornou-se um defensor fervoroso da não-violência e do pacifismo, ideias que tiveram um impacto significativo em líderes como Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr. Ele passou a pregar um estilo de vida baseado na renúncia aos bens materiais, no trabalho árduo, na simplicidade e na negação das vaidades mundanas. Essa transformação foi retratada em seus textos religiosos e filosóficos, como Confissão, onde ele narra seu processo de conversão e suas novas convicções espirituais.

Tolstói também escreveu O Reino de Deus Está em Vós, um manifesto que expõe suas ideias sobre resistência pacífica e que influenciaria movimentos futuros de desobediência civil. Sua nova postura não se limitava à teoria; ele tentou colocar suas ideias em prática, simplificando sua vida e defendendo os camponeses russos, a quem via como representantes de uma vida mais autêntica e moralmente superior.

  • Destaque: Tolstói passou por uma conversão espiritual que o levou a adotar uma visão radical do cristianismo, centrada na não-violência, simplicidade e amor ao próximo, influenciando líderes como Gandhi e Martin Luther King Jr.

Conflito entre Vida Pessoal e Convicções Espirituais

A nova visão de mundo de Tolstói entrou em conflito direto com seu estilo de vida anterior e com sua própria família. Embora ele desejasse simplificar sua vida e renunciar aos confortos materiais, sua esposa, Sofia, e seus filhos não compartilhavam completamente de suas convicções. Isso levou a uma série de conflitos domésticos e a uma vida familiar cheia de tensões. Sofia, que tinha sido uma colaboradora próxima na revisão e publicação de seus romances, não aceitava o desejo de Tolstói de abrir mão de suas propriedades e dos direitos autorais de suas obras, que eram uma importante fonte de renda para a família.

Tolstói também enfrentou a oposição da Igreja Ortodoxa Russa, que desaprovava suas interpretações do cristianismo e sua crítica aberta à instituição e aos sacramentos da Igreja. Em 1901, Tolstói foi excomungado pela Igreja, um ato que apenas reforçou sua convicção de que o cristianismo institucionalizado estava distante dos verdadeiros ensinamentos de Jesus.

Esses conflitos evidenciam a dificuldade de conciliar ideais elevados com as realidades práticas da vida. Tolstói tentou viver de acordo com seus princípios, mas, como ele mesmo reconheceu, muitas vezes falhou em implementar plenamente suas crenças em sua própria vida cotidiana. O dilema moral de Tolstói, portanto, não se limita à teoria ou à literatura, mas se manifesta em sua própria luta para ser fiel a seus ideais, mesmo quando isso significava se afastar daqueles que amava.

Reflexo na Obra Literária

Os dilemas morais e a jornada espiritual de Tolstói estão profundamente refletidos em suas obras literárias, tanto nas grandes novelas quanto em seus trabalhos posteriores. Guerra e Paz e Anna Kariênina são exemplos de sua habilidade em explorar questões morais e existenciais, mas é em suas obras pós-conversão, como A Morte de Ivan Ilitch e Ressurreição, que vemos o impacto mais direto de sua nova visão de mundo.

Em A Morte de Ivan Ilitch, Tolstói conta a história de um homem que, à beira da morte, percebe que viveu de forma superficial e egoísta, sem verdadeira conexão com os outros ou consigo mesmo. Esse conto é uma meditação sobre a inevitabilidade da morte e a importância de se viver uma vida autêntica e moralmente significativa. A transformação de Ivan Ilitch reflete a própria crise existencial de Tolstói e sua tentativa de encontrar um propósito maior na vida.

Ressurreição, sua última grande obra, é uma crítica feroz à injustiça social e à corrupção moral das instituições. O protagonista, Dimitri Nekhliudov, passa por um processo de redenção ao perceber as injustiças cometidas por ele próprio e pela sociedade ao seu redor. Esse romance é uma representação clara dos ideais espirituais de Tolstói — o arrependimento, a busca por redenção e a crença em um cristianismo autêntico e compassivo.

  • Destaque: As obras pós-conversão de Tolstói, como A Morte de Ivan Ilitch e Ressurreição, refletem seus dilemas morais e sua busca por uma vida significativa, criticando a superficialidade e a injustiça social.

O Legado Espiritual e Literário de Tolstói

A jornada espiritual de Liev Tolstói e seus dilemas morais deixaram um impacto duradouro tanto em sua obra quanto na maneira como ele é visto na história da literatura e do pensamento. Sua busca por significado, sua crítica à superficialidade da sociedade e sua tentativa de viver de acordo com princípios espirituais são temas que ressoam profundamente até hoje. Tolstói não apenas escreveu sobre personagens em busca de verdade e autenticidade, mas viveu essa busca em sua própria vida, enfrentando desafios e conflitos que o tornaram uma figura fascinante e complexa.

Seu legado vai além da literatura, influenciando movimentos sociais e líderes espirituais em todo o mundo. Tolstói nos lembra da importância de questionar nossas próprias vidas e de tentar viver de acordo com os valores que consideramos mais nobres, mesmo quando o mundo ao nosso redor não apoia essas escolhas. Suas obras permanecem relevantes porque falam diretamente ao dilema humano de encontrar propósito e viver com integridade em um mundo cheio de contradições e desafios.

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